O desafio de nos mantermos
perseverantes é árduo. Continuar, insistir, custa; e custa caro na maioria das
vezes.
Desistir é muito mais fácil, mais
cômodo, porém carrega cosigo consequências drásticas.
Ainda pior que se abrigar em algo
inconcluso, é fazê-lo sem perceber.
Essa sim é perigosa, a renúncia velada.
Renunciamos ao que queremos com a sensação de ainda estarmos lutando.
Perder uma batalha vez ou outra
faz parte da vida. Mas quando somos nós que estamos em jogo, a negligência não
se torna uma de nossas opções. Muitas pessoas podem determinar o nosso destino,
mas somente nós mesmo somos capazes de defini-lo.
É por isso que, com o tempo,
entregarmos os pontos nos impede de vencer.
Por que?
Simples. Somos capazes de nos acostumarmos
com tudo; com a perda, a derrota, a desistência. E porque nos acostumamos,
acabamos por abrir mão do que nos é caro.
Espero e busco ter a
sensibilidade de perceber a vida. Não quero correr o risco de que a pressa, que
envolve o meu cotidiano, leve a minha capacidade de saborear cada momento como
se deve.
Apesar de tudo, ainda resta o
medo de dar à minha alma o tratamento que ela não merece.
4 de abril de 2013
− Não perguntei
se você gostaria que eu ficasse, apenas vou ficar por aqui e pronto! – disse Luis
sem ser questionado.
− E não adianta
me olhar torto, muito menos fazer cara feia.
− Não estou
fazendo cara feia! Eu só acho que você não precis...
− Certo! Sei
também que não precisa. Na verdade você nunca precisa, de nada nem de ninguém!
Para você é suficiente ficar sentada nesse sofá remoendo os seus problemas
pessoais e a sua solidão.
Beatriz recostou
no sofá como quem houvesse desistido de uma batalha, enquanto Luis, de costas,
disfarçava o seu contentamento por passar mais 10 minutos em sua companhia.
− Ok, “Bê”! Não
precisa fazer essa carinha. Vamos encarar da seguinte forma: a casa precisa de
mim! Não dou 30 minutos para que esse chão esteja coberto de lenços de papel;
sem falar nos restos de cappuccino espalhados por todo apartamento; e o
controle da TV então?! Todo lambuzado de Nutella, porque você insiste em ver e
rever aquela cena melosa daquele filme que você gosta... aquele dos
velhinhos... como é mesmo o no...?
− Diário de uma
paixão! – Disse Beatriz enquanto esboçava um sorriso meio torto, mas sempre
sincero.
Ela sabia sorrir.
Tinha sempre consigo um entusiasmo que contagiava até os mais ranzinzas. Foi
assim desde o primeiro dia que a vi. Me lembro daquela cena como se fosse hoje:
eu sentado no meio de cem mil prontuários, desesperado com a infinidade de
pacientes que eu ainda não havia avaliado, o hospital em greve e ela lá,
sorrindo! Lembro-me dela caminhando despreocupadamente pelo corredor do
hospital, do seu jeito de amarrar o cabelo em um “rabo de cavalo” e arregaçar
as mangas do jaleco como se estivesse se preparando para a luta. Me encantei
por ela à segunda vista.
− Sério, “Bê”! Não vou deixar, nem sob
tortura, você transformar a sua casa em um cativeiro. E nem pense que você vai
assistir aquela lenga-lenga pela milésima vez.
− Ah é?! Que maravilha heim?! Você invade a
minha casa e agora vem quere me dizer o que eu devo ou não fazer?! – Ironizou.
− Exatamente! – retribuí com um sorriso.
− E o que a vossa excelência sugere para o meu
momento de fragilidade?!
Eu reconheço esse tom há um kilômetro de distância.
Esse é o jeito que ela tem de saber que eu estou sempre por perto, de que eu me
importo. É o jeito dela se sentir protegida, cuidada.
− Não se preocupe, vim preparado! Nem vou
precisar passar em casa para arrumar minhas coisas. Já coloquei tudo na mochila
desde o dia que te vi chegar com os olhos inchados no hospital;
aí foi só esperar você me contar o “auê”.
Ela fez uma cara de surpresa, como se não
soubesse que eu reparo em cada um de seus detalhes.
− Você me surpreende, Luis... – disse com a
voz já melodiosa, quase como a de costume.
− Então! Minha tarefa agora é passar o fim de
semana evitando que você faça alguma besteira calórica e solitária.
Aproximou-se dela no sofá, tocou delicadamente
o seu rosto, tomou-a em seus braços e acariciou levemente os cabelos. Aproveitou
cada segundo daquele momento, mesmo que em segredo.
− Enquanto eu dou um jeito nessa sua louça, vê
se esfrega um shampoo nessa cabeça e depois vem aqui me contar essa história
direito.
Ela sacudiu a cabeça concordando.
− Vou fazer um café e passamos a noite
conversando, se você quiser.
− Lu?!
− Oi?!
− Não entendo porque você é tão legal comigo!
− O que eu não entendo é como você continua entregando
este seu coração para quem não deve! Onde mais precisa doer para você levar
jeito?! Você é tão linda, tão especial... e eu... eu sou louco por você! Você
desperta a minha atenção e tudo o que há de bom em mim! Me encanta o seu jeito
de carregar o mundo inteiro nas costas sem ao menos suspirar de cansaço. Você
sabe, se eu estou aqui é porque você vale a pena; porque lhe quero bem. E
enquanto você tenta fazer esses seus lances rolarem com esses babacas, eu fico
aqui sentindo a sua falta, querendo conversar contigo, ganhar aquele “ei”
empolgado junto com uma cara de sono, na primeira corrida de leitos da manhã. -
Pensou.
E respondeu um pouco engasgado, lutando para
conter as palavras que teimavam em sair da sua boca.
− Você merece, esse é o motivo!
Ela sorriu novamente. Dessa vez um sorriso
aberto, límpido, branco.
− Isso, adoro te ver assim! Fico orgulhoso
quando consigo te fazer sorrir. Foi para isso que vim! – abraçou-a novamente.
− Terminando ali na cozinha, a gente senta no
sofá e dá um jeito nessa agonia! Talvez eu toque um pouco de James Taylor, ou te faça
cafuné, ou faça uma massagem profissional nos seus pés... Se nada funcionar, a
gente pega uma navalha e faz uns cortes sequenciais no seu braço, só para liberar
endorfina e trapacear a dor, como fez o Dr. House naquele episódio, lembra?
− Não... – respondeu tentando cessar a gargalhada.
− Não foi contigo que eu vi? Claro que foi,
você deve ter embarcado no sono, como sempre. Como pode? É só te aconchegar de
conchinha, contar até dez e pronto: você dormiu. E eu fico me sentindo o
cara-todo-poderoso que está lá para te proteger.
− Sei que você deve achar que nunca mais
conseguirá amar na vida, que ninguém nunca pedirá para ser seu marido e que aquela
coisa de felicidade está cada vez mais longe. Mas pelo amor dos céus, é só um
relacionamento falido; o menos importante deles. Olhe o lado bom, chore hoje,
deixe as lágrimas escorrerem e lavarem essa maquiagem. Amanhã, de rosto novo, a
gente pinta uma carinha feliz e eu te levo de carro para ver o mar. Ninguém vai
perceber seu sorriso postiço, o mundo inteiro vai estar ocupado sorrindo com
você.
− Confie em mim, às vezes quem está de fora
enxerga melhor. E daqui vejo seu sorriso, e sei bem o que ele é capaz de
fazer.