4 de abril de 2013


− Não perguntei se você gostaria que eu ficasse, apenas vou ficar por aqui e pronto! – disse Luis sem ser questionado.
− E não adianta me olhar torto, muito menos fazer cara feia.
− Não estou fazendo cara feia! Eu só acho que você não precis...
− Certo! Sei também que não precisa. Na verdade você nunca precisa, de nada nem de ninguém! Para você é suficiente ficar sentada nesse sofá remoendo os seus problemas pessoais e a sua solidão.
Beatriz recostou no sofá como quem houvesse desistido de uma batalha, enquanto Luis, de costas, disfarçava o seu contentamento por passar mais 10 minutos em sua companhia.
− Ok, “Bê”! Não precisa fazer essa carinha. Vamos encarar da seguinte forma: a casa precisa de mim! Não dou 30 minutos para que esse chão esteja coberto de lenços de papel; sem falar nos restos de cappuccino espalhados por todo apartamento; e o controle da TV então?! Todo lambuzado de Nutella, porque você insiste em ver e rever aquela cena melosa daquele filme que você gosta... aquele dos velhinhos... como é mesmo o no...?
− Diário de uma paixão! – Disse Beatriz enquanto esboçava um sorriso meio torto, mas sempre sincero.
Ela sabia sorrir. Tinha sempre consigo um entusiasmo que contagiava até os mais ranzinzas. Foi assim desde o primeiro dia que a vi. Me lembro daquela cena como se fosse hoje: eu sentado no meio de cem mil prontuários, desesperado com a infinidade de pacientes que eu ainda não havia avaliado, o hospital em greve e ela lá, sorrindo! Lembro-me dela caminhando despreocupadamente pelo corredor do hospital, do seu jeito de amarrar o cabelo em um “rabo de cavalo” e arregaçar as mangas do jaleco como se estivesse se preparando para a luta. Me encantei por ela à segunda vista.
− Sério, “Bê”! Não vou deixar, nem sob tortura, você transformar a sua casa em um cativeiro. E nem pense que você vai assistir aquela lenga-lenga pela milésima vez.
− Ah é?! Que maravilha heim?! Você invade a minha casa e agora vem quere me dizer o que eu devo ou não fazer?! – Ironizou.
− Exatamente! – retribuí com um sorriso.
− E o que a vossa excelência sugere para o meu momento de fragilidade?!
Eu reconheço esse tom há um kilômetro de distância. Esse é o jeito que ela tem de saber que eu estou sempre por perto, de que eu me importo. É o jeito dela se sentir protegida, cuidada.
− Não se preocupe, vim preparado! Nem vou precisar passar em casa para arrumar minhas coisas. Já coloquei tudo na mochila desde o dia que te vi chegar com os olhos inchados no hospital; aí foi só esperar você me contar o “auê”.
Ela fez uma cara de surpresa, como se não soubesse que eu reparo em cada um de seus detalhes.
− Você me surpreende, Luis... – disse com a voz já melodiosa, quase como a de costume.
− Então! Minha tarefa agora é passar o fim de semana evitando que você faça alguma besteira calórica e solitária.
Aproximou-se dela no sofá, tocou delicadamente o seu rosto, tomou-a em seus braços e acariciou levemente os cabelos. Aproveitou cada segundo daquele momento, mesmo que em segredo.
− Enquanto eu dou um jeito nessa sua louça, vê se esfrega um shampoo nessa cabeça e depois vem aqui me contar essa história direito.
Ela sacudiu a cabeça concordando.
− Vou fazer um café e passamos a noite conversando, se você quiser.
− Lu?!
− Oi?!
− Não entendo porque você é tão legal comigo!
− O que eu não entendo é como você continua entregando este seu coração para quem não deve! Onde mais precisa doer para você levar jeito?! Você é tão linda, tão especial... e eu... eu sou louco por você! Você desperta a minha atenção e tudo o que há de bom em mim! Me encanta o seu jeito de carregar o mundo inteiro nas costas sem ao menos suspirar de cansaço. Você sabe, se eu estou aqui é porque você vale a pena; porque lhe quero bem. E enquanto você tenta fazer esses seus lances rolarem com esses babacas, eu fico aqui sentindo a sua falta, querendo conversar contigo, ganhar aquele “ei” empolgado junto com uma cara de sono, na primeira corrida de leitos da manhã. - Pensou.
E respondeu um pouco engasgado, lutando para conter as palavras que teimavam em sair da sua boca.
− Você merece, esse é o motivo!
Ela sorriu novamente. Dessa vez um sorriso aberto, límpido, branco.
− Isso, adoro te ver assim! Fico orgulhoso quando consigo te fazer sorrir. Foi para isso que vim! – abraçou-a novamente.
− Terminando ali na cozinha, a gente senta no sofá e dá um jeito nessa agonia! Talvez eu toque um pouco de James Taylor, ou te faça cafuné, ou faça uma massagem profissional nos seus pés... Se nada funcionar, a gente pega uma navalha e faz uns cortes sequenciais no seu braço, só para liberar endorfina e trapacear a dor, como fez o Dr. House naquele episódio, lembra?
− Não... – respondeu tentando cessar a gargalhada.

− Não foi contigo que eu vi? Claro que foi, você deve ter embarcado no sono, como sempre. Como pode? É só te aconchegar de conchinha, contar até dez e pronto: você dormiu. E eu fico me sentindo o cara-todo-poderoso que está lá para te proteger.
− Sei que você deve achar que nunca mais conseguirá amar na vida, que ninguém nunca pedirá para ser seu marido e que aquela coisa de felicidade está cada vez mais longe. Mas pelo amor dos céus, é só um relacionamento falido; o menos importante deles. Olhe o lado bom, chore hoje, deixe as lágrimas escorrerem e lavarem essa maquiagem. Amanhã, de rosto novo, a gente pinta uma carinha feliz e eu te levo de carro para ver o mar. Ninguém vai perceber seu sorriso postiço, o mundo inteiro vai estar ocupado sorrindo com você.
− Confie em mim, às vezes quem está de fora enxerga melhor. E daqui vejo seu sorriso, e sei bem o que ele é capaz de fazer.

Um comentário: