28 de janeiro de 2011

Sem ponto final

Havia muita coisa diferente. Não sabia definir muito bem quais foram as mudanças, mas sabia que não era mais a mesma. Tornou-se cética e, muitas vezes, enxergava a vida com uma frieza que não lhe pertencia.
Deixou de acreditar em sentimentos verdadeiros, em amores a primeira vista e ignorou qualquer demonstração de afeto que, normalmente, acelerariam o seu coração. Perdeu o viço, o brilho no olhar. Convenceu-se de que deveria ficar sozinha e deixou para a ficção qualquer espécie de final feliz.
Ele sempre foi feito um mistério; trazia consigo um certo enigma que, por vezes era até capaz de enfeitiçar. E, embora fizesse questão de disfarçar, estava tão desacreditado como ela.
Ele a observava de longe. Aprendera a reparar seus gestos e movimentos , até aqueles mais sutis, que ninguém seria capaz de perceber. Já sabia reconhecer o seu sorriso, o seu andar, a forma como mordia levemente os lábios diante de uma dúvida e até o seu jeito de colocar o cabelo atrás da orelha.

Todos os dias tentava se encher de coragem e se aproximar daquela que ele já conhecia tão bem. Ensaiava horas em sua mente as melhores palavras e tentava encontrar um comportamento que não a assustasse tanto. Era certo que ele queria impressioná-la; mais que isso, queria tornar-se parte da sua vida.
Todos os seus ensaios e a coragem acumulada no decorrer de cada minuto eram estranhamente friáveis; bastava vê-la no final do corredor ou em meio a uma multidão para que todo o seu esforço fosse por água abaixo. Ele nunca foi o mais falante, o mais extrovertido, mas era inédito o efeito que ela exercia sobre ele.
Era assim que acontecia, ele arquitetava meticulosamente cada gesto, revisava todas as palavras, todas as frases, a fim de que não cometesse nenhuma gafe, mas bastava avistá-la para que esquecesse todos os seus planos. Ela o dominava de uma forma adoravelmente estranha.
No entanto, era orgulhoso demais para se dar por vencido. Não sabia como iria se aproximar, mas era certo que o faria.
Ela seguia a sua vida distante de boa parte daquilo que um dia desejou para ser feliz. Deu-se por vencida e decidiu concentrar-se apenas naquilo que fosse prático. Não mais fazia questão de ser tão passional e quis, pela primeira vez, apostar na razão.
Sem dúvida, para ela, essa era a melhor escolha.
A vida vai muito além das vontades próprias e obedecendo a esta verdade, quis então o destino que eles finalmente se encontrassem.
Ele surgiu no momento em que ela se sentia mais sozinha, quando já estava convencida de que as pessoas não eram tão boas e puras como pensava.
Ele entrou sem fazer alarde, sem sequer comunicar. Apenas chegou.
Mas era de se esperar que estivesse calejada demais para deixar-se levar tão facilmente. E se na defensiva ela estava, na defensiva ela iria permanecer.
Não seria fácil convencê-la a se arriscar mais uma vez, mas mesmo sem saber exatamente o que enfrentaria adiante ele não pensou, sequer por um segundo, em desistir. Percebeu então que precisava resgatá-la, o mais rápido possível.
- Feliz aniversário atrasado! – disse ele tentando controlar o tremor da sua voz.
- Como você sabia que ontem foi meu aniversário? – respondeu sorrindo enquanto tentava entender aquela aproximação.
- Eu vi quando cantaram “parabéns para você” ontem. Eu até cantei, você não viu?! – respondeu rindo, tentando ser simpático.
- Não vi. – sorriu.
- Toma, é para você! Assim não pode dizer que nunca te dei um presente! – disse ao entregá-la uma bala mastigável de maçã verde.
- Nossa! Não precisava! – respondeu sarcasticamente.
E sorriram.
Pronto! Dei o primeiro passo! – pensou ele orgulhando-se da sua coragem.
Então começaram a conversar. Começaram e não pararam mais. Gastavam horas e horas falando sobre tudo e sobre nada. Buscando em ambos as respostas que não encontravam em si mesmos. Ele a conhecia um pouco mais a cada dia e, a medida que a conhecia, tinha certeza de que sempre esteve certo, ela era a mulher da sua vida. E enquanto ele a amava, ela se perguntava se tudo aquilo era mesmo real.
Não foi muito difícil quebrar a sua resistência. Bastaram alguns meses, uma boa dose de sinceridade e paciência para que ela descobrisse que não estava tão diferente quanto pensara. Seu mundo voltou a ter as mesmas cores de antes e, ao mesmo tempo, percebeu que ser tão descrente não fazia mais o seu tipo.
- Ele é diferente... – pensava enquanto tentava se concentrar em outros afazeres.
E ele realmente era. Ele sabia como fazê-la sorrir, sabia olhá-la com atenção enquanto falava do quanto gostava de conversar com seu cachorro, sabia enxergar nela até o que ela mesma desconhecia. Ele a conhecia bem e sabia como ninguém provar isso.
- Eu quero ser diferente para ela! – dizia para si mesmo no silêncio da sua alma, enquanto lembrava de tudo o que ela havia lhe contado.
E fez por onde ser diferente. Fazia questão de sempre olhá-la nos olhos, de prestar atenção nos seus gestos, nas suas expressões, nas suas palavras. Não queria passar a impressão de que estava interessado apenas no fascínio que exalava do seu rosto, ou na suavidade do toque da sua pele. Queria ser mais que um amigo, um companheiro para todos os momentos. Alguém com quem ela pudesse contar.
Desejou que fosse assim, e foi.
Primeiro tornaram-se conhecidos. De conhecidos passaram a amigos. De amigos, a companheiros. De companheiros, tornaram-se almas gêmeas, metades de uma unidade.
- Eu amo você... – disse ela com uma voz baixa tentando, sem sucesso, não ser ouvida.
Ele sorriu o melhor dos seus sorrisos e respirou fundo, como se quisesse encher os pulmões de ar para gritar.
- Eu também... eu também te amo! – respondeu com voz firme – e vou amar para sempre!
Ele então tocou o seu rosto com as costas da sua mão. Sentiu a maciez da sua pele e o brando calor que se esvaía de suas bochechas rosadas. Aproximou-se dela. Sentiu a suavidade da sua respiração e o cheiro levemente adocicado do seu perfume. Aproximou-se ainda mais. A olhou nos olhos como quem quisesse desvendar os mistério do seu olhar. Desistiu. Resolveu então fechá-los e esquecer o mundo que havia ao seu redor.
Quando se deram conta, estavam se beijando.
Segundos, minutos, talvez horas, que os levaram para um universo que pertencia somente aos dois. Era difícil traduzir o que sentiam, mas estavam em paz... finalmente felizes. E ao se despedirem, prometeram fazer aquele momento durar por toda a vida.
Prometeram, mas quis os reveses da vida que não conseguissem cumprir.
Eles não queriam admitir, mas o destino estava aprontando uma das suas ciladas. E aquele sonho de amor infinito viu-se chegando ao fim. Ele já não era mais o mesmo e ela estava decepcionada demais para seguir em frente. Eis que surgiu o ponto final.
Sofreram em segredo no isolamento dos seus quartos. Choraram todas as lágrimas que puderam. E em meio à dor perceberam que o mundo não havia parado, continuava girando no seu ritmo frenético. Decidiram então juntar o que havia sobrado de suas expectativas, dos sonhos não realizados e guardar no fundo de uma gaveta, para que quando precisassem de uma boa recordação tivessem ao que recorrer.
Decidiram esquecer tudo e seguir por outros caminhos. Mas como conseguir se o destino insiste em aproximá-los? Como esquecer o passado se, a todo instante, ele se faz presente?

Hoje, distantes um do outro, permanecem tentando encontrar as respostas que a vida ainda não lhes deu. Insistem em tentar encontrar em outra pessoa a afinidade que só existe entre os dois e que, no fundo se suas almas, sabem que jamais encontrarão.
Há que diga que não mais irão se encontrar, que o ponto final é definitivo. Mas prefiro acreditar que o mundo dá voltas e que em um curto espaço de tempo muito pode acontecer. Não acredito que exista algo que seja definitivo, nem mesmo a morte, já que existe a promessa de uma vida eterna do lado de lá.
Se há um ponto final, prefiro acrescentar mais um... e mais outro. Pronto! Crio assim as reticências. A permissão que faltava para que pudessem ser felizes... felizes da única forma possível, juntos.

2 comentários:

  1. Nossa!! Me vi nessa estoria...
    Estou vivendo exatamente isso...
    A perda de um amor que perecia ser pra sempre.
    A duvida é saber se o ponto realmente é "final" ou se tem a reticencias.
    O mundo dá voltas...E haja paciencia pra esperar essas voltas...
    Lindo, lindo, lindo.

    ResponderExcluir
  2. Você tem o dom, é isso. O dom e muito amor no coração. Me encanta e me toca de um jeito diferente a cada palavra. "Há quem diga que não mais irão se encontrar, que o ponto final é definitivo. " Quando chegou nessa parte eu imaginei que esse texto seria finalizado de uma única forma : "Se há um ponto final, prefiro acrescentar mais um... e mais outro. Pronto! Crio assim as reticências. " Você é linda !

    ResponderExcluir