É interessante quando, na vida, o nosso silêncio é interrompido por alguém que chega.
E não são poucas as ocasiões em que nós optamos por fazer a experiência do silêncio. Até a vida... por mais que gastemos tanto tempo falando, ela é muito mais silêncio do que palavra.
E se formos pensar no que categoricamente nos define como pessoa no mundo, com certeza não será aquilo que sabemos dizer sobre nós mesmos, mas aquilo que não sabemos dizer.
Acredito que o bom ouvinte não é aquele que escuta o que dizemos, mas o que sabe compreender o que não traduzimos em palavras. Porque é justamente o que não sabemos dizer sobre nós mesmos, que nos revela.
É muito fácil falsear as palavras. E é muito natural nos enganarmos por meio daquilo que dizemos... mesmo que não seja a nossa intenção mentir. É que muitas vezes existe uma inadequação entre aquilo que conseguimos falar de nós mesmos e aquilo que de fato somos.
Mesmo porque, quando a palavra chega à nossa boca, esta já sofreu uma perda. Uma coisa é aquilo que você PENSA, outra coisa é DIZER o que você pensa. Até entre o que chamamos de realidade e aquilo que conseguimos pensar dela, ocorre o processo de perda.
É certo que uma realidade não é exatamente o que pensamos a seu respeito... o pensamento pode até ser uma aproximação do que é real, mas, definitivamente a realidade é muito mais do que nós conseguimos pensar sobre ela.
Se você pensa sobre o que é felicidade, por exemplo... felicidade é muito mais do que você consegue pensar. E entre o que a felicidade é e o que a sua mente conseguiu formular a seu respeito, já houve uma perda considerável. Perda de sentido.
Perder o sentido é não conseguirmos absorver algo em sua totalidade, nem pensar a seu respeito sem isso gere uma perda. É como dizer então que a realidade está a mercê nossa inteligência.
Agora, se pensar uma realidade já é uma forma de empobrecê-la, já é um jeito de perdê-la, imagina quando nos dispomos a falar sobre ela?! Há uma perda ainda maior. Porque se entre a realidade e o pensamento já há um dano, do pensamento à palavra ocorre um dano ainda maior. Talvez porque nem sempre a nossa palavra consegue, de fato, dizer o que é a realidade. E mais... nem sempre conseguimos dizer com fidelidade o que pensamos sobre ela.
A palavra é a 3ª instância da realidade. Primeiro a realidade em si mesma, segundo a realidade pensada e, por fim, a realidade falada. E por mais que ela tente ser a revelação de algo real, ela não é tudo.
Nós humanos vivemos na 2ª e na 3ª instância, porque pensamos e também dizemos. Mas para nós essa palavra deve conter o poder de despertar aquilo que somos, com a finalidade de instigar em nós o desejo de chegarmos ao lugar de onde ela origina.
Se eu não consigo saber tudo sobre a realidade e a palavras é um jeito estranho que eu tenho de tentar chegar até ela, comecemos, então, a trilhar esse caminho. Este é o processo do conhecimento humano.
Conhecer alguém é descobrirmos o caminho das pedras, o caminho das palavras que poderão nos fazer chegar àquilo que a pessoa é e não àquilo que eu imaginei sobre ela.
O que nos autentifica como conhecedores de alguém não é o que pensamos, nem o que ouvimos, mas aquilo que nós experimentamos e que, muitas vezes, não passa pelo horizonte do pensamento, tampouco o da palavra. Entretanto, passa pela experiência de sabermos que apenas ocorre assim.
Foi assim quando a Ruanna entrou na minha vida, quando ela cruzou as esquinas da minha história, quando “invadiu” a minha casa...
Ela é aquele tipo de amiga que chega sem pedir licença e nos causa a sensação de que já a conhecemos há 200 anos. Somente porque consegue acelerar o tempo dentro de nós, consegue alcançar regiões da nossa vida que nem aqueles que nasceram ao nosso lado conseguiram.
Uma presença, eu diria, quase que angelical.
Anjo?!
É aquele ser capaz de trazer a luz da diferença.
Cada vez mais as pessoas se convencem de que basta viver uma condição de ser mais ou menos no mundo... de conhecer mais ou menos, de amar mais ou menos, de saber mais ou menos... E o anjo é aquele que entra em nossa vida com o domínio de nos acordar com palavras incomuns. São jeitos de falar, de pensar a nossa vida que nos surpreendem.
Sabe... é muito bom encontrar alguém que tem uma interpretação absolutamente nova do que somos. É como reinaugurar uma loja depois de um tempo de falência. Arregaçamos as mangas e começamos a ajeitar a vitrine que antes estava tão feia e acabada. Com a gente também é assim... alguém descobre que na nossa vitrine está faltando cor, está faltando luz e, com o seu jeito de ser, de falar, de compreender e de interpretar, acrescenta um novo detalhe naquela vitrine que antes parecia tão falida.
Então nos enchemos de brilho e de vida, simplesmente porque descobrimos que alguém nos olha de uma forma diferente... descobrimos que há alguém que parece ter o poder de reinaugurar o que somos... alguém que parece ter a chave, a senha. Senhas estas que, às vezez, nem nós mesmos sabemos decifrar.
Receber um amigo em nossa vida é sempre como ganhar um presente, seja tendo chegado ontem ou há 10 anos. Não importa o tempo, porque amizade não conhece cronologia e o tempo não deve ser o que há de mais importante para nós.
O que devemos assumir é a vivência de um tempo de graça, o qual não sabemos quando começou e quando irá terminar.
É maravilhoso quando experimentamos momentos que não cabem dentro do tempo... são tão intensos que, mesmo correspondendo cronologicamente a 10 minutos, dentro nós é capaz de durar uma vida inteira. Porque fomos eternamente marcados pela sensação de que o tempo não estava passando. Ou então o que sentimos é tão bom que faz o tempo voar.
E, quando menos esperamos, aquilo que ocorreu no passado surpreende-nos de uma forma tão interessante, que chegamos a crer que estamos novamente ali.
Sabe quando você escuta uma música que lhe recorda um tempo de graça e, automaticamente, você retorna às experiências daquela hora?!
Porém aquele tempo já se findou. E então nos perguntamos: e aí? O que fazer com o que sentimos? Como é que podemos ter uma vida que já não existe mais? Como é que podemos experimentar as delícias de um tempo que já acabou?
A resposta eu sei de cor, vivendo o tempo em sua essência, na sua forma eternizada.
A experiência do amor sempre extrapola a cronologia.
É uma experiência de “acontecências”, isto é, um dia nós somos envolvidos pela presença de alguém que rompeu o nosso silêncio, que despertou aquilo que nem nós mesmo sabíamos a nosso respeito; alguém que acelerou o nosso processo de autoconhecimento, de felicidade e de satisfação... e isso não cabe no tempo.
Quem passa a ser presença “Kairótica” em nós, extrapola os limites do tempo a ponto de se tornar eterno. E como dizia, sabiamente, Adélia Prado, “aquilo que a gente ama já é eterno”.
E os amigos tem essa função de nos fazerem esquecer a dureza do tempo. Porque o tempo é duro, o tempo nos mata, o tempo nos envelhece. E aqueles que amamos, as pessoas que são importantes em nossa história, são aquelas que nos fazem viver a experiência desse desafio. Então, não permita que o tempo te mate, vamos nos tornar eternos um ao lado do outro. Porque quando nós assumimos a eternidade como um projeto de vida, assumimos também a missão de sermos anjos na vida um do outro.
Assim que percebermos que o tempo está destruindo aqueles que estão ao nosso lado, cabe a nós mesmos convidá-los para um “tempo de graça”, convidá-lo para que, por um instante ou por um momento, possam descobrir a importância de esquecermos os malefícios desse tempo que passa.
E aí descobrimos o que é ter um amigo do nosso lado.
Quando temos a sensação de que estamos vendidos, de que já não temos mais tantos atrativos em nossa vitrine, quando já não temos mais tantos atrativos para viver, eis que chega alguém com o seu poder de transformação, olha em nossos olhos e nos convence de que ainda pode ser diferente. Alguém que seja capaz de dar a vida por você, para que você não entre em um processo de falência. Alguém que seja capaz de significar em sua vida o amor de Deus na história.
Me impressiona como o tempo inteiro precisamos saber que somos amados. Talvez essa necessidade baseia-se no fato de que é muito fácil nos sentirmos menosprezados no mundo de hoje... é tão fácil sentirmos que não valemos nada... é tão fácil pensarmos que estamos sozinhos nessa vida e criarmos dentro de nós um sentimento de solidão que nos faz perder de vista qualquer crença de que exista alguém capaz de nos amar verdadeiramente...
Mas graças a Deus existem pessoas em nossas vidas que são capazes de olhar dentro dos nossos olhos e dizer: “eu sou capaz de trocar reinos por ti”.
Em algum momento você sentiu que o amor de alguém significou isso?
Isso é teoria em sua vida ou não?
Alguém, de fato, conseguiu representar isso para você apenas com o jeito de olhar, de falar de compreender?
Você já descobriu, olhando nos olhos de alguém, que aquela pessoa seria capaz de dar a vida por você?
Você já fez a experiência humana de reconhecer em outra pessoa um anjo que diz: “coragem... eu lhe inauguro no momento que não der certo” ?
Não me canso de acreditar que nós nos sabemos amados naqueles momentos em que as coisas não são tão favoráveis, em que tudo parece irremediavelmente perdido.
Ser amigo na hora da festa... não... isso é muito fácil. E muitas vezez vivemos uma experiência de companheirismo, de coleguismo e achamos que isso é amizade... não!
Ser anjo é iluminar no momento em que o outro é treva.
Não estou dizendo nada que tenha lido nos meus livros... até porque os livros são muito pobres para nos mostrar essas coisas. Mas eu vi alguém que amo olhar nos meus olhos e dizer: “se preciso for eu dou minha vida por você”. E isso é amor de verdade. E eu desejo que todos passem um dia pela experiência de amar alguém assim, mesmo que você a perca depois. Mesmo que você não a tenha para a vida inteira, porque o jeito mais bonito de preservar o outro do nosso lado, é quando fisicamente ele já não mais está. É quando já não temos mais a graça do sorriso, da presença física. Então descobrimos o verdadeiro significado do amor, que é aquele que nos faz sentir acompanhado, mesmo quando só existe ausência ao nosso lado. Mesmo quando pela força da vida aquele que amamos já não nos acompanha mais.
E isso sim é ser anjo.
E o dia que alguém amar o nosso coração do jeito que ele merece ser amado, estaremos registrados para o resto da vida. Nós jamais seremos capazes de esquecer isso e o mais importante, nos empenharemos para ser isso na vida de alguém.
O amor nos contagia a partir do momento que descobrimos que aquele que nos ama, nos faz amar também. Um amigo não nos ama para nos prender, para nos dar uma satisfação temporária, não! Ele nos ama e nos transforma, sabe porque? Porque ele aponta o caminho e a direção para que possamos ir, para que possamos nos aprimorar como pessoa... para que a gente possa descobrir um jeito interessante de sair do convencional, de ultrapassarmos o limite das pessoas comuns... não por uma vaidade, mas por uma responsabilidade que lhe impõe, para que você também possa “cantar” isso.
E se tivéssemos que ser honestos??? Conte nos dedos quais foram as pessoas que um dia iluminaram a sua vida através do olhar.
Quais foram as pessoas que nessa vida diminuíram a sua sensação de orfandade?
Quais foram as pessoas que já pareceram eternas para você, porque lhe marcaram definitivamente?
Foram a mão de Deus na sua mão, naquele momento em que você já não tinha mais forças para ir adiante... foram perna de Deus nas suas pernas, no momento em que você não conseguia mais andar... foram a voz de Deus a lhe dizer “coragem! Reinaugure-se... comece de novo”!
Conte nos dedos...
E se chegamos à conclusão de que são muitos os dedos das mãos para serem usados na contagem dessas pessoas, precisamos então rever a qualidade da nossa vida... dos nossos relacionamentos... do nosso olhar... do nosso jeito de ser gente. Ou porque estamos vivendo na solidão, ou porque estamos provocando o tempo todo solidão...
É tão fácil sermos nada nos dias de hoje; basta entrarmos nessa preguiça existencial que caracteriza tão bem a atualidade. Basta nos transformarmos em pessoas comuns. Pessoas que se esbarram, mas não se encontram... que passam a vida inteira tendo colegas, sendo apenas conhecidas. Conhecidas que não se conhecem de verdade.
Daqueles amigos que você diz que iluminam a sua vida, quais são as cores favoritas deles? O que os fazem sofrer? Qual é o prato que mais lhes agrada? Quando foi a última “luta” dele... ele venceu ou ele perdeu?
Nós não sabemos quase nada uns sobre os outros.
Conte nos dedos e seja honesto, quais foram as pessoas que realmente marcaram a sua vida? Quais foram as pessoas que deixaram de ser comum na sua história? E você, seria capaz de dar a vida por elas também?!
E você, quem você conduz nesse mundo? Quem você ilumina?
Éh... é bem mais fácil ser amado que amar.
Eu não tenho vergonha de dizer isso. Mas vocês não imaginam o quanto meu mundo tornou-se pobre de uns tempos para cá. Eu não sei contar quantas vezes já acordei chorando à noite... porque é muito triste perceber que aquilo que amávamos, só volta acontecer na hora em que sonhamos. E aí quando acordamos temos a dura realidade para reconhecer: “acabou”...
O celular não toca mais, as músicas já não são mais cantadas em duetos, acabaram-se as gargalhadas; já não gastamos mais horas ao telefone falando sobre qualquer coisa sem importância... isso não existe mais.
Ruanna foi, de longe, a melhor amiga que eu já tive na vida.
E foi passando pela experiência de “perdê-la” que descobri como é bom ganhar.
E todas as vezes que paro para olhar nossas foto, nossas conversas durante as aulas de química, português, filosofia, física “eu digo para ela”: “Você deve achar isso bonito néh?!” (Risos!)
Esse era o jeito dela me chamar atenção...
Aqui vai um conselho... não se dê o luxo de perder quem você ama, mesmo que você vá sofrer depois... não existe amor sem sofrimento. Se eu pudesse voltar no tempo eu seria amiga dela do mesmo jeito, mesmo sabendo que um dia ela não mais estaria na minha vida, mesmo sabendo que a minha existência se tornaria cada vez mais difícil sem a sua presença, não me importa! Eu sei que essa saudade é moldada ao longo do tempo, mas até que esse processo termine ela dói... e machuca.
Mas se for para escolher entre viver com a mão fechada ou abri-la para dizer que tenho dez amigos pelos quais vou sofrer, eu prefiro sofrer pelos dez! Porque vale a pena sentirmos a sensação de que alguém não apenas passou pela nossa vida, mas ficou... ficou e não há mais um jeito de dizermos o nosso nome, sem lembrarmos do dele... não há mais como vivermos nossas vidas sem vivermos em sua companhia... porque ser amigo é isso, é estar por perto mesmo que fisicamente não tenhamos mais o outro ao nosso lado.
Eu a levo então, dentro de mim, no meu jeito de falar, nas tantas coisas que ela modificou no meu jeito de ser gente!
Ter “perdido” uma amiga assim, me faz querer ser melhor amiga para alguém... porque eu sei o quanto é bom ter uma saudade positiva... eu sei o quanto é bom ser marcado positivamente pela vida de alguém... e eu quero fazer o mesmo! E vou viver para convencer o mundo de que é bom ser assim, não importando se você vá sofrer ou não.
É certo, quanto mais nós amamos, mais nós sofremos. Mas isso não importa, porque essa matemática, sim, vale à pena.
E não são poucas as ocasiões em que nós optamos por fazer a experiência do silêncio. Até a vida... por mais que gastemos tanto tempo falando, ela é muito mais silêncio do que palavra.
E se formos pensar no que categoricamente nos define como pessoa no mundo, com certeza não será aquilo que sabemos dizer sobre nós mesmos, mas aquilo que não sabemos dizer.
Acredito que o bom ouvinte não é aquele que escuta o que dizemos, mas o que sabe compreender o que não traduzimos em palavras. Porque é justamente o que não sabemos dizer sobre nós mesmos, que nos revela.
É muito fácil falsear as palavras. E é muito natural nos enganarmos por meio daquilo que dizemos... mesmo que não seja a nossa intenção mentir. É que muitas vezes existe uma inadequação entre aquilo que conseguimos falar de nós mesmos e aquilo que de fato somos.
Mesmo porque, quando a palavra chega à nossa boca, esta já sofreu uma perda. Uma coisa é aquilo que você PENSA, outra coisa é DIZER o que você pensa. Até entre o que chamamos de realidade e aquilo que conseguimos pensar dela, ocorre o processo de perda.
É certo que uma realidade não é exatamente o que pensamos a seu respeito... o pensamento pode até ser uma aproximação do que é real, mas, definitivamente a realidade é muito mais do que nós conseguimos pensar sobre ela.
Se você pensa sobre o que é felicidade, por exemplo... felicidade é muito mais do que você consegue pensar. E entre o que a felicidade é e o que a sua mente conseguiu formular a seu respeito, já houve uma perda considerável. Perda de sentido.
Perder o sentido é não conseguirmos absorver algo em sua totalidade, nem pensar a seu respeito sem isso gere uma perda. É como dizer então que a realidade está a mercê nossa inteligência.
Agora, se pensar uma realidade já é uma forma de empobrecê-la, já é um jeito de perdê-la, imagina quando nos dispomos a falar sobre ela?! Há uma perda ainda maior. Porque se entre a realidade e o pensamento já há um dano, do pensamento à palavra ocorre um dano ainda maior. Talvez porque nem sempre a nossa palavra consegue, de fato, dizer o que é a realidade. E mais... nem sempre conseguimos dizer com fidelidade o que pensamos sobre ela.
A palavra é a 3ª instância da realidade. Primeiro a realidade em si mesma, segundo a realidade pensada e, por fim, a realidade falada. E por mais que ela tente ser a revelação de algo real, ela não é tudo.
Nós humanos vivemos na 2ª e na 3ª instância, porque pensamos e também dizemos. Mas para nós essa palavra deve conter o poder de despertar aquilo que somos, com a finalidade de instigar em nós o desejo de chegarmos ao lugar de onde ela origina.
Se eu não consigo saber tudo sobre a realidade e a palavras é um jeito estranho que eu tenho de tentar chegar até ela, comecemos, então, a trilhar esse caminho. Este é o processo do conhecimento humano.
Conhecer alguém é descobrirmos o caminho das pedras, o caminho das palavras que poderão nos fazer chegar àquilo que a pessoa é e não àquilo que eu imaginei sobre ela.
O que nos autentifica como conhecedores de alguém não é o que pensamos, nem o que ouvimos, mas aquilo que nós experimentamos e que, muitas vezes, não passa pelo horizonte do pensamento, tampouco o da palavra. Entretanto, passa pela experiência de sabermos que apenas ocorre assim.
Foi assim quando a Ruanna entrou na minha vida, quando ela cruzou as esquinas da minha história, quando “invadiu” a minha casa...
Ela é aquele tipo de amiga que chega sem pedir licença e nos causa a sensação de que já a conhecemos há 200 anos. Somente porque consegue acelerar o tempo dentro de nós, consegue alcançar regiões da nossa vida que nem aqueles que nasceram ao nosso lado conseguiram.
Uma presença, eu diria, quase que angelical.
Anjo?!
É aquele ser capaz de trazer a luz da diferença.
Cada vez mais as pessoas se convencem de que basta viver uma condição de ser mais ou menos no mundo... de conhecer mais ou menos, de amar mais ou menos, de saber mais ou menos... E o anjo é aquele que entra em nossa vida com o domínio de nos acordar com palavras incomuns. São jeitos de falar, de pensar a nossa vida que nos surpreendem.
Sabe... é muito bom encontrar alguém que tem uma interpretação absolutamente nova do que somos. É como reinaugurar uma loja depois de um tempo de falência. Arregaçamos as mangas e começamos a ajeitar a vitrine que antes estava tão feia e acabada. Com a gente também é assim... alguém descobre que na nossa vitrine está faltando cor, está faltando luz e, com o seu jeito de ser, de falar, de compreender e de interpretar, acrescenta um novo detalhe naquela vitrine que antes parecia tão falida.
Então nos enchemos de brilho e de vida, simplesmente porque descobrimos que alguém nos olha de uma forma diferente... descobrimos que há alguém que parece ter o poder de reinaugurar o que somos... alguém que parece ter a chave, a senha. Senhas estas que, às vezez, nem nós mesmos sabemos decifrar.
Receber um amigo em nossa vida é sempre como ganhar um presente, seja tendo chegado ontem ou há 10 anos. Não importa o tempo, porque amizade não conhece cronologia e o tempo não deve ser o que há de mais importante para nós.
O que devemos assumir é a vivência de um tempo de graça, o qual não sabemos quando começou e quando irá terminar.
É maravilhoso quando experimentamos momentos que não cabem dentro do tempo... são tão intensos que, mesmo correspondendo cronologicamente a 10 minutos, dentro nós é capaz de durar uma vida inteira. Porque fomos eternamente marcados pela sensação de que o tempo não estava passando. Ou então o que sentimos é tão bom que faz o tempo voar.
E, quando menos esperamos, aquilo que ocorreu no passado surpreende-nos de uma forma tão interessante, que chegamos a crer que estamos novamente ali.
Sabe quando você escuta uma música que lhe recorda um tempo de graça e, automaticamente, você retorna às experiências daquela hora?!
Porém aquele tempo já se findou. E então nos perguntamos: e aí? O que fazer com o que sentimos? Como é que podemos ter uma vida que já não existe mais? Como é que podemos experimentar as delícias de um tempo que já acabou?
A resposta eu sei de cor, vivendo o tempo em sua essência, na sua forma eternizada.
A experiência do amor sempre extrapola a cronologia.
É uma experiência de “acontecências”, isto é, um dia nós somos envolvidos pela presença de alguém que rompeu o nosso silêncio, que despertou aquilo que nem nós mesmo sabíamos a nosso respeito; alguém que acelerou o nosso processo de autoconhecimento, de felicidade e de satisfação... e isso não cabe no tempo.
Quem passa a ser presença “Kairótica” em nós, extrapola os limites do tempo a ponto de se tornar eterno. E como dizia, sabiamente, Adélia Prado, “aquilo que a gente ama já é eterno”.
E os amigos tem essa função de nos fazerem esquecer a dureza do tempo. Porque o tempo é duro, o tempo nos mata, o tempo nos envelhece. E aqueles que amamos, as pessoas que são importantes em nossa história, são aquelas que nos fazem viver a experiência desse desafio. Então, não permita que o tempo te mate, vamos nos tornar eternos um ao lado do outro. Porque quando nós assumimos a eternidade como um projeto de vida, assumimos também a missão de sermos anjos na vida um do outro.
Assim que percebermos que o tempo está destruindo aqueles que estão ao nosso lado, cabe a nós mesmos convidá-los para um “tempo de graça”, convidá-lo para que, por um instante ou por um momento, possam descobrir a importância de esquecermos os malefícios desse tempo que passa.
E aí descobrimos o que é ter um amigo do nosso lado.
Quando temos a sensação de que estamos vendidos, de que já não temos mais tantos atrativos em nossa vitrine, quando já não temos mais tantos atrativos para viver, eis que chega alguém com o seu poder de transformação, olha em nossos olhos e nos convence de que ainda pode ser diferente. Alguém que seja capaz de dar a vida por você, para que você não entre em um processo de falência. Alguém que seja capaz de significar em sua vida o amor de Deus na história.
Me impressiona como o tempo inteiro precisamos saber que somos amados. Talvez essa necessidade baseia-se no fato de que é muito fácil nos sentirmos menosprezados no mundo de hoje... é tão fácil sentirmos que não valemos nada... é tão fácil pensarmos que estamos sozinhos nessa vida e criarmos dentro de nós um sentimento de solidão que nos faz perder de vista qualquer crença de que exista alguém capaz de nos amar verdadeiramente...
Mas graças a Deus existem pessoas em nossas vidas que são capazes de olhar dentro dos nossos olhos e dizer: “eu sou capaz de trocar reinos por ti”.
Em algum momento você sentiu que o amor de alguém significou isso?
Isso é teoria em sua vida ou não?
Alguém, de fato, conseguiu representar isso para você apenas com o jeito de olhar, de falar de compreender?
Você já descobriu, olhando nos olhos de alguém, que aquela pessoa seria capaz de dar a vida por você?
Você já fez a experiência humana de reconhecer em outra pessoa um anjo que diz: “coragem... eu lhe inauguro no momento que não der certo” ?
Não me canso de acreditar que nós nos sabemos amados naqueles momentos em que as coisas não são tão favoráveis, em que tudo parece irremediavelmente perdido.
Ser amigo na hora da festa... não... isso é muito fácil. E muitas vezez vivemos uma experiência de companheirismo, de coleguismo e achamos que isso é amizade... não!
Ser anjo é iluminar no momento em que o outro é treva.
Não estou dizendo nada que tenha lido nos meus livros... até porque os livros são muito pobres para nos mostrar essas coisas. Mas eu vi alguém que amo olhar nos meus olhos e dizer: “se preciso for eu dou minha vida por você”. E isso é amor de verdade. E eu desejo que todos passem um dia pela experiência de amar alguém assim, mesmo que você a perca depois. Mesmo que você não a tenha para a vida inteira, porque o jeito mais bonito de preservar o outro do nosso lado, é quando fisicamente ele já não mais está. É quando já não temos mais a graça do sorriso, da presença física. Então descobrimos o verdadeiro significado do amor, que é aquele que nos faz sentir acompanhado, mesmo quando só existe ausência ao nosso lado. Mesmo quando pela força da vida aquele que amamos já não nos acompanha mais.
E isso sim é ser anjo.
E o dia que alguém amar o nosso coração do jeito que ele merece ser amado, estaremos registrados para o resto da vida. Nós jamais seremos capazes de esquecer isso e o mais importante, nos empenharemos para ser isso na vida de alguém.
O amor nos contagia a partir do momento que descobrimos que aquele que nos ama, nos faz amar também. Um amigo não nos ama para nos prender, para nos dar uma satisfação temporária, não! Ele nos ama e nos transforma, sabe porque? Porque ele aponta o caminho e a direção para que possamos ir, para que possamos nos aprimorar como pessoa... para que a gente possa descobrir um jeito interessante de sair do convencional, de ultrapassarmos o limite das pessoas comuns... não por uma vaidade, mas por uma responsabilidade que lhe impõe, para que você também possa “cantar” isso.
E se tivéssemos que ser honestos??? Conte nos dedos quais foram as pessoas que um dia iluminaram a sua vida através do olhar.
Quais foram as pessoas que nessa vida diminuíram a sua sensação de orfandade?
Quais foram as pessoas que já pareceram eternas para você, porque lhe marcaram definitivamente?
Foram a mão de Deus na sua mão, naquele momento em que você já não tinha mais forças para ir adiante... foram perna de Deus nas suas pernas, no momento em que você não conseguia mais andar... foram a voz de Deus a lhe dizer “coragem! Reinaugure-se... comece de novo”!
Conte nos dedos...
E se chegamos à conclusão de que são muitos os dedos das mãos para serem usados na contagem dessas pessoas, precisamos então rever a qualidade da nossa vida... dos nossos relacionamentos... do nosso olhar... do nosso jeito de ser gente. Ou porque estamos vivendo na solidão, ou porque estamos provocando o tempo todo solidão...
É tão fácil sermos nada nos dias de hoje; basta entrarmos nessa preguiça existencial que caracteriza tão bem a atualidade. Basta nos transformarmos em pessoas comuns. Pessoas que se esbarram, mas não se encontram... que passam a vida inteira tendo colegas, sendo apenas conhecidas. Conhecidas que não se conhecem de verdade.
Daqueles amigos que você diz que iluminam a sua vida, quais são as cores favoritas deles? O que os fazem sofrer? Qual é o prato que mais lhes agrada? Quando foi a última “luta” dele... ele venceu ou ele perdeu?
Nós não sabemos quase nada uns sobre os outros.
Conte nos dedos e seja honesto, quais foram as pessoas que realmente marcaram a sua vida? Quais foram as pessoas que deixaram de ser comum na sua história? E você, seria capaz de dar a vida por elas também?!
E você, quem você conduz nesse mundo? Quem você ilumina?
Éh... é bem mais fácil ser amado que amar.
Eu não tenho vergonha de dizer isso. Mas vocês não imaginam o quanto meu mundo tornou-se pobre de uns tempos para cá. Eu não sei contar quantas vezes já acordei chorando à noite... porque é muito triste perceber que aquilo que amávamos, só volta acontecer na hora em que sonhamos. E aí quando acordamos temos a dura realidade para reconhecer: “acabou”...
O celular não toca mais, as músicas já não são mais cantadas em duetos, acabaram-se as gargalhadas; já não gastamos mais horas ao telefone falando sobre qualquer coisa sem importância... isso não existe mais.
Ruanna foi, de longe, a melhor amiga que eu já tive na vida.
E foi passando pela experiência de “perdê-la” que descobri como é bom ganhar.
E todas as vezes que paro para olhar nossas foto, nossas conversas durante as aulas de química, português, filosofia, física “eu digo para ela”: “Você deve achar isso bonito néh?!” (Risos!)
Esse era o jeito dela me chamar atenção...
Aqui vai um conselho... não se dê o luxo de perder quem você ama, mesmo que você vá sofrer depois... não existe amor sem sofrimento. Se eu pudesse voltar no tempo eu seria amiga dela do mesmo jeito, mesmo sabendo que um dia ela não mais estaria na minha vida, mesmo sabendo que a minha existência se tornaria cada vez mais difícil sem a sua presença, não me importa! Eu sei que essa saudade é moldada ao longo do tempo, mas até que esse processo termine ela dói... e machuca.
Mas se for para escolher entre viver com a mão fechada ou abri-la para dizer que tenho dez amigos pelos quais vou sofrer, eu prefiro sofrer pelos dez! Porque vale a pena sentirmos a sensação de que alguém não apenas passou pela nossa vida, mas ficou... ficou e não há mais um jeito de dizermos o nosso nome, sem lembrarmos do dele... não há mais como vivermos nossas vidas sem vivermos em sua companhia... porque ser amigo é isso, é estar por perto mesmo que fisicamente não tenhamos mais o outro ao nosso lado.
Eu a levo então, dentro de mim, no meu jeito de falar, nas tantas coisas que ela modificou no meu jeito de ser gente!
Ter “perdido” uma amiga assim, me faz querer ser melhor amiga para alguém... porque eu sei o quanto é bom ter uma saudade positiva... eu sei o quanto é bom ser marcado positivamente pela vida de alguém... e eu quero fazer o mesmo! E vou viver para convencer o mundo de que é bom ser assim, não importando se você vá sofrer ou não.
É certo, quanto mais nós amamos, mais nós sofremos. Mas isso não importa, porque essa matemática, sim, vale à pena.