21 de julho de 2010

Depois do amanhã

E quando questionada sobre como estava, ela disse:
- Nunca se preocupe comigo porque eu tenho estado morta. Fora do meu corpo, fora da minha mente, distante de tudo aquilo que é bom e que faz bem!
Ele, na tentativa de salvá-la:
- Então deixe-me trazer para você a felicidade.
- É difícil conseguir... acho que sou melhor assim que feliz.
- Ouça: eu não vou desistir de você!
E com o passar dos meses, cansado de percorrer uma via de mão única sem chegar a lugar algum, ele desistiu. E mesmo a amando decidiu se afastar. “Amor que é amor não machuca, não maltrata e nem nos faz sofrer”, pensava todas as noites antes de dormir, com o objetivo de justificar a sua ausência.
Ela o esperou e depois de muito tempo se deu conta de que ele não iria mais voltar. Nunca em sua vida havia se decepcionado tanto. E, a partir de então, friamente, decidiu seguir em frente... e para não ceder à vontade, quase incontrolável, de procurá-lo pensou consigo mesma: eu estava certa... esse tal amor não existe .
Elaborava todos os dias um comportamento diferente para o caso de encontrá-lo. Entre as suas opções estavam, dizer a ele o quanto tinha sido cruel a sua partida, e ignorá-lo, que era a opção mais provável.
E por mais que desejasse vê-lo, para ter o gostinho de mudar de calçada, ela nunca mais o viu.
Como o mundo dá voltas, para eles não foi diferente. O tempo passou, e ambos tomaram caminhos diferentes.
Ela se tornou uma empresária de renome e, em prol do seu sucesso, decidiu não viver a sua juventude. Permaneceu cética e os poucos relacionamentos que manteve, nada mais foram que uma relação de troca de interesses. E quando percebia algum envolvimento, por menor que fosse, fugia e usava a desculpa de que não iria se comprometer com algo que pudesse atrapalhar o seu solitário lado profissional.
Certa vez, em uma entrevista a um jornal local, foi forçada a voltar àquele passado que ela mesma julgava já ter sido esquecido.
- E então... você é uma executiva de sucesso, já chegou no pico da sua carreira...
- Obrigada...
- Não pensa em se casar?
Ao ouvir a pergunta, sentiu seus pés saírem do chão e, ao mesmo tempo, atar um nó na sua garganta. A poeira das lembranças irritou seus olhos e para disfarçar, sorriu. E depois de três intermináveis segundos, respondeu:
- Áh, não... eu não acredito no amor! – e gargalhou suavemente.
Enquanto sorria o seu sorriso mais convincente, era atentamente observada do outro lado da cidade.
Ele não teve a mesma sorte nos negócios. Era dono de um restaurante modesto, mas bem freqüentado. Não era rico e nem tinha um carro importado. Concluiu a faculdade de música com sucesso, da qual era um dos melhores alunos, mas quis o destino que esse sonho não prosperasse. O seu negócio, que nada tinha a ver com os acordes musicais, não movimentava grandes quantias em dinheiro e o sonho de tocar violão às margens do Sena, cedeu lugar ao pão que deveria levar para casa.
Apaixonou-se algumas vezes, mas da mesma forma que a paixão chegava, ia embora.
Seu pai faleceu enquanto ele ainda estava na faculdade e, desde então, tornou-se o homem da casa. Pensou na sua cozinha como um grande instrumento e com a sua criatividade passou a sustentar a mãe e a irmã, sem lhes deixar faltar nada.
Ao vê-la pela televisão, sentiu o mesmo nó dificultar a sua respiração, e incrédulo voltou ao trabalho.
E para ele, mesmo depois de todos os anos que se passaram, ela continuava a mesma. Sua pela ainda era bastante clara e os cabelos, que outrora eram presos, deram lugar a um corte mais moderno e descontraído, que nada parecia com a sua personalidade. Os olhos eram pretos e brilhantes, como se permanecessem constantemente cheios de lágrimas e o sorriso, embora um pouco falso, era inebriante.
Naquele momento, relembrando aquela afirmação disfarçadamente sarcástica sobre o amor, ele se perguntou se ela havia sido feliz como ele, apesar das adversidades, fora. Concluiu que não. E sentiu o coração sangrar quando passou pela sua cabeça que ele poderia ser o responsável por ela viver em um mundo em tons de cinza. Naquele dia não conseguiu concentrar-se em mais nada.
Ao sair da emissora, ela pensou na possibilidade dele a ter visto na T.V e, ao olhar o relógio que marcava nove e quarenta da noite pensou: ‘Nem pensar... numa hora dessas ou ele está contando história para os filhos dormirem, ou está com a esposa’, e não pensou mais sobre o assunto.
No dia seguinte, ela pegou o primeiro vôo à Paris. E como não poderia ser diferente, não se ateve a nada que não fossem os contratos que estavam prestes a serem assinados.
Depois de uma semana, voltou ao Brasil, e do aeroporto foi direto para o seu escritório. Estava cansada e nem podia ouvir falar em visitas. Ao chegar, deu ordens à sua secretária de que não queria ser interrompida... ‘– Nem pelo papa!’, brincou.
Depois de algumas horas sentada na sua confortável poltrona, ouviu o telefone tocar.
- Senhora, tem um senhor aqui que insiste em vê-la!
- Eu já lhe disse que não estou aqui para ninguém.
Ao perceber que sua entrada seria negada, ele disse em alto e bom som:
- Diga a ela que é o papa!
Ao pensar que o que havia passado em sua cabeça era impossível, disse a secretária que o fizesse entrar.
Ao vê-lo, se recusou a acreditar. Ele estava bem diferente da última vez que o vira. Continuava alto e forte como antes, mas sua pele já possuía algumas marcas feitas pelo tempo. Seu cabelo que antigamente era negro, já abrigava alguns fios brancos. O corte era o mesmo... a forma como se movimentava enquanto ele andava também. Seus rosto, embora visivelmente cansado, mantinha o mesmo brio. Seu olhar não tinha mais o mesmo brilho, mas continuava a ser o mais terno que ela já havia visto.
Fingiu não reconhecê-lo.
- Bom dia! O senhor deseja...
E antes que concluí-se, foi interrompida.
- Você não sabe mentir! – sorriu.
- Você não me conhece mais! – retrucou.
Silêncio.
- Eu a vi na televisão. Fiquei bastante surpreso, sabia?
- Por que? Achou que eu seria incapaz de vencer na vida?
- Não! Não foi por isso... me surpreendi porque, mesmo depois de tanto tempo, você continua a mesma.
- Engano seu! Eu mudei muito, principalmente...
- Principalmente depois de eu não a ter procurado mais? – ele completou já sabendo qual seria a resposta.
- Você não era tão pretencioso assim...
- Não é pretensão.
- Não?! O que é então?! – olhou-o como se quisesse matá-lo.
Sem ouvir resposta ela continuou.
- Você pensa que tem todas as respostas, não é?! E que pode confiar, cegamente, nelas! Sempre sabe o que fazer... sempre sabe o que é certo e qual o momento certo para tudo... não se importa com ninguém... só consigo mesmo!
- Você não sabe o que está dizendo!
- Sei... sei sim! Porque foi assim que agiu comigo!
- Eu continuei pensando em você por muito tempo! Por anos eu continuei te amando!
- Pois eu não! A partir do momento que me baniu da sua vida, para mim, você já estava morto.
- Mas não estou! E estou aqui agora! Vai se acovardar novamente? – quis desafiá-la.
Estava irritada demais para respondê-lo, ou melhor, furiosa. E sem pensar duas vezes tentou, sem sucesso, esbofeteá-lo.
Ele ainda era ágil e antes que a palma daquela mão tão delicada alcançasse o seu rosto sofrido, ele a segurou fortemente. Olhando fixamente em seus olhos sentiu o coração disparar. Sem mais conseguir resistir ele a puxou para perto de si, ainda com muita resistência, e a abraçou. Ela que ainda relutava contra aquela aproximação, aos poucos foi sentido o calor do corpo dele amenizar a sua solidão, e, sem perceber, ela também o envolveu com seus braços.
Conversaram muito. Ela contou sobre como tinha sido difícil e sacrificante chegar aonde estava e sobre a decisão de colocar a vida profissional acima de qualquer outra prioridade. Ele contou dos bons anos que passou na faculdade e também da tristeza que fora a perda do pai. Contou ainda sobre o seu restaurante e sobre o seu azar na música.
- Mas mesmo assim... mesmo com toda barra que passei... acho que consegui ser feliz. – disse ele sorrindo.
- Eu não tive essa sorte... – disse com uma voz chorosa e um sorriso sem graça.
Agora sim, ela estava desarmada, entregue.
Sem pensar muito ele a abraçou novamente, afagou os seus cabelos por alguns minutos, a fim de fazê-la se sentir segura. Conseguiu.
- Lembra-se de quando eu lhe disse que não desistiria de você?
Ela apenas o olhava.
- Hoje vejo que não desisti... mas dessa vez, você não tem escolha...
Ela permanecia olhando-o nos olhos, mas naquele momento, assustada.
Ele continuou aproximando-se cautelosamente, como se não quisesse machucá-la, e quando já sentia o calor da sua respiração descompassada a beijou.
- Dessa vez você não tem escolha... eu vou lhe fazer feliz!
Embora ambos quisessem que aquele momento durasse eternamente, o tempo não os obedeceu... e passou.
Ela, após ter alcançado sucesso em mais um ramo do setor dos negócios, foi chamada a dar uma entrevista para a mesma repórter de tempos atrás.
Assim que ela acabou de responder a última pergunta que dizia respeito ao seu empreendedorismo sorriu, como se já soubesse qual seria a próxima pergunta.
- Vejo que você está com uma aliança na mão esquerda!
Ela gargalhou satisfeita.
- Passou a acreditar no amor? – continuou a repórter entre algumas gargalhadas.
Ela olhou o seu marido sentado atrás das câmeras, o bebê que ele segurava junto ao seu peito e sorriu... sorriu também com a alma... o sorriso mais sincero de sua vida.
- Se eu passei a acreditar no amor? – gargalhou – Claro que não! Só estou realizando um sonho... Eu sempre quis ter uma rede de restaurantes e ser empresária de uma banda! – continuou gargalhando.
Ao dizer isso, ela voltou a olhar para aquele homem que tanto a fazia feliz e que naquele instante gargalhava com a sua resposta. Ao olhá-lo, percebeu que havia ali um outro sorriso... uma outra gargalhada... e que mesmo este sendo sem dentes, era o mais lindo que já tinha visto em toda a sua vida!
Naquele momento teve certeza de que era feliz... de que era completa... plena.

Um comentário:

  1. Oi, Bru! Antes que me pedisse, eu já havia lido o seu texto.
    O que eu acho de mais maravilhoso na literatura é que criamos um mundo tão lindo e majestoso que o trazemos para a realidade.
    Eu imaginei sua mocinha, seu sorriso sarcástico. Enxerguei os cabelos grisalhos do homem amado e o rosto do bebê que ele segurava.
    Gosto de acreditar que muitas histórias assim acontecem no dia-a-dia e que nós, em um rompante divino, apenas as transcrevemos para o papel.
    Suas personagens não tem nomes. O que faz o texto ser ainda mais universal. Pode ser a Beth, a Clara, a Marina. Ou a Letícia e a Bruna.
    Muito belo!
    Um beijo grande!
    Lety.

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